sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Corrida contra a charrete e salto em altura, ou de como novecentos segundos no relógio dos outros pode não ser resfresco

Depois que o ônibus nos deixou na empoeirada estrada do Córrego do Soldado, o Tiaguinho, até então anfitrião da aventura, nos disse que eram apenas 15 minutos de caminhada até o sítio.
Pegamos nossos apetrechos e começamos a caminhar. Cada um ficou com uma coisa e depois do “incidente” envolvendo a Coca-cola eles não me deixaram carregar nada que pudesse quebrar, partir, estragar ou se perder se
viesse ao chão.
Coube a mim carregar parte da carne que assaríamos ainda aquela noite. Eram seis quilos de carne devidamente acondicionados em uma mochila jeans.
Como eu carregava a minha própria mochila, com roupas, toalha, um monte de badulaque inútil e mais o cobertor, a mochila com a carne ia no braço mesmo.
O dia estava bonito, o pasto verde, a estrada um pouco empoeirada, mas com o frescor da manhã uma caminhada de 15 minutos não seria de toda ruim.
Característica da adolescência, íamos na maior algazarra descendo e subindo morros, passando por algumas fazendas, conversando animadamente.
Já tínhamos caminhado os 15 minutos que o Tiaguinho tinha falado e para nós qualquer casa, casebre ou fazenda que aparecia na próxima esquina poderia ser o nosso sítio. A promessa de uma cachoeira nos alegrava.
Vinte minutos já tinham se passado e a gente ainda andando. A esta altura, o sol já começava a incomodar e os fardos que íamos carregando começavam a ficar pesados. Começamos a reclamar com o Tiago que, ironicamente, respondia que já estava chegando. Meia hora depois eu já estava com o braço doendo.
Seis quilos são poucos, mas quando se caminha levando uma mochila assim, ela começa a pesar. Debaixo de um sol forte então o peso triplica.
Já haviam se passado quarenta minutos que tínhamos deixado o ônibus para trás e já estávamos querendo matar o Tiaguinho e os seus malditos 15 minutos.
- Quinze minutos de moto, você quis dizer né?!
- De moto não, de avião. Ô Tiago, cadê a porcaria do sítio? – reclamávamos de tempos em tempos.
Depois de uma hora de caminhada eu já estava querendo trucidar o idiota que tinha sugerido para eu levar a carne. O céu sem nuvens e o sol forte tornavam a viagem mais cansativa. O meu consolo era que a carne pelo menos estava meio congelada e para espantar o calor era só eu a manter perto do corpo. A minha situação também não era a pior. O Juninho Cabeça levava um colchão pesado, destes que nem dá para enrolar direito, e já estava querendo o deixar na estrada e pegar na volta quando o Tiago anunciou que teríamos que tomar um atalho.
Numa curva da estrada, entramos pela mata adentro. O local era mais agradável que a estrada poeirenta, mas nossa alegria durou pouco, rapidamente nos encontramos novamente na estrada.
Depois de dez minutos que saímos do “atalho” comecei a ficar para trás de cansaço. A carne começou a descongelar, meus músculos já doíam e não tinha nem mais força para xingar o Tiago.
Fui ficando para trás e o pessoal também ia calado, com o rosto suado, com raiva e com cansaço. Num determinado
momento, em um vale, percebi que lá no alto do morro, vinha uma nuvem de poeira. Pensei:
- Oba um carro ou um caminhão. Vou ficar para trás porque aí eu peço carona.
Imaginava eu que nenhum motorista de bom coração iria me deixaria na estrada, mas se tivesse com a turma ele poderia passar direto.
Diminui o passo, fiz cara de mais moribundo do que realmente estava e percebi a aproximação da nuvem de poeira.
Mas, sempre tem um mas, para minha tristeza não era um carro ou caminhão, era uma charrete puxada por um pangaré. Na minha condição aquilo era uma carruagem:
- Dia. O sinhô me dá uma caroninha? – disse eu utilizando o idioma local.
- Pode subir – respondeu o condutor da charrete.
Mas ele não parou a charrete. O cavalinho continuou o seu trote e mesmo com as duas mochilas e apesar do cansaço, tive que correr um pouco para jogar a mochila com a carne dentro da charrete. Corri mais um pouco e joguei a minha mochila e o cobertor. Livre da tralha ia ficar mais fácil de subir na charrete.
Não sei se foi o barulho das coisas caindo ou se a vingança do cavalo por carregar mais peso, a verdade é que o animal acelerou e a charrete se distanciava.
O jeito era correr e quando chegava perto, tentava subir e não conseguia. Ainda estava naquela peleja toda, quando a charrete e eu, correndo feito louco, tentando subir na danada, alcançamos os meus amigos.
Mais ágeis que eu eles subiram rapidinho e o espaço foi ficando pequeno. Nisto eu já estava com “os bofes” pulando para fora. O Cabeça já tinha jogado o colchão e se preparava para subir. Eu já tinha corrido uns 300 metros
e nada de subir na charrete. Foi quando reuni o resto das forças, desabalei numa corrida louca e pulei, de costas, como salto em altura e ploft: consegui cair dentro da charrete.
Ainda estava me recuperando da pancada nas costas e começando a me levantar quando senti o condutor virando o cabresto e saindo da estrada
principal.
A manobra veio seguida de um “ÔOOOOOOAAAAAAA” e a charrete parou.
- Agora “ôces” pode “apiá”, porque eu vou parar aqui - disse o condutor.
A minha vontade era de chorar. O resto das minhas forças tinha ficado naquela charrete. Os quase 300 metros percorridos tinham me exaurido mas, sempre tem um mas, ao voltarmos para a estrada o Tiaguinho ainda chutou o cachorro morto:
- Preocupa não gente. Agora a gente só tem que passar seis porteiras. Garanto que são só mais 15 minutinhos.
Quase duas horas depois dos 15 minutos iniciais chegamos ao sítio, mas isso é outra história......



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