segunda-feira, 28 de março de 2011

Tudo que existe na sombra, existe na luz... exceto o medo


Aquelas histórias de assombração mexeram com a gente. No rosto de cada um estava estampado certo temor, ainda que disfarçado pelo grau alcoólico em que nos encontrávamos. Era só parar a conversa que ficávamos desconfortadamente quietos.
A essa altura o Bruno já estava no nível máximo da escala etílica e vendo a galera ressabiada, fixou os olhos na janela de madeira, da cozinha do sítio, e disparou:
- Se existe o Capeta que ele apareça aqui agora.
- Pára com isso Bruno. Isso não é coisa que se fale.
- Ah não Bruno, agora você pegou pesado demais.
Ficamos todos assustados e para piorar, escutamos passos, como se fossem cascos do lado de fora da casa. Satisfeito com a repercussão, o Bruno não parava de chamar o Tinhoso. O terror se instalou entre nós, porque tem coisas na vida que a gente não pode brincar. O Cabeça, ao meu lado, tremia e o resto da galera ria de nervoso.
De repente, alguém apagou as luzes. O Bruno começou a fazer uns barulhos estranhos, como que possuído. Preciso confessar que comecei a tremer também. Então, do nada, surgiu uma bola de fogo no meio da cozinha. Antes que pudéssemos ver o que estava acontecendo já saímos correndo. Eu só tive tempo de ver cinco ou seis passarem juntos por uma porta que só cabia um.
Até o Bruno se assustou, mas estava bêbado demais para correr. A bola de fogo girava pela cozinha escura. Instintivamente peguei uma faca para me defender. Até parece que ia adiantar. Como eu ia esfaquear uma alma penada?
De repente, da bola de fogo veio um sorrisinho conhecido. Fixei os olhos e vi que a assombração nada mais era que o Dodete. Enquanto o Bruno chamava o “Sete Peles”, o Dodete se levantou e apagou luz. Ai pegou a vassoura de coqueiro, colocou no fogo e começou a rodar pela cozinha escura.
O Tiaguinho, que tinha ficado imóvel de medo, explodiu num grito:
- Dodete!!!! Minha tia vai me matar – disse cada vez mais arrependido de ter nos trazido para o sítio.
O Dodete apagou a vassoura ou que sobrou dela, no balde que eu tinha pegado para apagar os “quase incêndios” anteriores O Bruno começou a falar besteira novamente. Todo mundo já estava irritado e ameaçamos:
- Bruno. Se você não parar a gente vai te trancar lá fora.
Como ele não deu ouvidos, cumprimos o prometido. O empurramos para a área de serviço e trancamos a porta.
No início, ele continuou com a história e fazendo barulhos, depois ficou em silêncio, depois bateu na porta:
- Gente abre aqui. Vou parar.
Nenhum de nós se mexeu:
- Gente. Abre. Estou ficando com medo. Abre logo senão vou arrombar a porta.
Nada. Todo mundo parado. Passados alguns minutos ouvimos novamente passos arrastados lá fora e a seguir veio barulho de algo se quebrando. Virei para o local de onde tinha vindo o som e ainda deu tempo de ver a porta da cozinha desmontando.
O Bruno tinha mesmo arrombado a porta. Assustado com o barulho, ele deu uma “voadora” na frágil porta, feita de ripas colocadas lado a lado. A porta não resistiu e as ripas se soltaram.
- Eu avisei – disse o Bruno saindo do meio do feixe de madeira.
- Gente! Minha tia vai me matar – lamuriou-se o Tiago, desta vez certo de que não deveria ter nos trazido.
Começou bate-boca geral, todo mundo xingando o Bruno. Pareciam mil pessoas. De repente a gente escuta o barulho de um soco. Ploft!
O Cabeça, que realmente tinha medo de assombração, estava xingando o Bruno que ficou irritado e deu um soco, meio que de brincadeira, no braço dele. Só que o Bruno é muito forte, então qualquer soquinho, mesmo que de brincadeira, faz um barulhão.
Foi como naqueles filmes. A falação cessou instantaneamente. Olhamos todos com cara de reprovação para o Bruno. O Cabeça, com a mão no ombro, parecia querer chorar. Só o Bruno ria e ao tentar sentar em uma mesa redonda a mesma desmontou e lançou um vaso ao chão.
- Gente. Minha tia vai me matar.
Acho que vocês já sabem quem disse isso?!
Decidimos ir dormir. Dormir nada. Um de nós, apagou devido à bebida. Colocamos ele no chão, para não cair do beliche. Só não percebemos que ele ficou respirando o veneno de rato deixado no chão, ao lado do colchão. No outro dia, não sabíamos se ele ainda estava tonto do álcool ou do veneno.
Já estávamos mais ou menos acomodados, com a casa escura quando vimos uma sombra pular do beliche.
- Oia o que que eu vô fazê – disse o Dodete se aproximando do nosso companheiro apagado.
Sempre quando alguém apagava, nós fazíamos sacanagem. Passávamos creme dental no sujeito, batom e outras peraltices. Mas daquela vez o Dodete se superou. O varapau se aproximou do amigo. Como estava um breu danado só escutamos o barulho de água caindo.
- Ô Dodete onde você arrumou água?
- Que água o quê? Eu tô é fazendo “sisi” nele.
Explodimos na gargalhada. Preciso dizer que depois que nosso amigo descobriu o banho que tomou nas pernas o Dodete nunca mais dormiu antes dele. Até hoje o Dodete está jurado porque é claro que contamos depois.
Para disfarçar, o Dodete jogou óleo de cozinha no coitado.
- Ah não, vai manchar o colchão. Minha tia vai me matar.
Depois disso, o Dodete pulou a janela do quarto e se dirigiu para porta da frente. O Aldair tinha se aboletado no sofá e já começava a dormir. O Dodete então, esmurrou a porta, acordando o coitado, que de um salto só ficou sentado na cama improvisada:
- Gente...gente...tem gente aqui.
- Aldaiiii eu vim te buscáaaaaaaa...
O Aldair se levantou. Correu para copa. Nisto alguém puxou o seu cobertor, que rasgou no meio certinho. De madrugada, o coitado do Aldair passou tanto frio que quase chorou de raiva. Na correria, alguém subiu em cima de uma cama de casal e a quebrou. Preciso dizer o que o Tiaguinho disse?!
O Dodete entrou e disse que havia vacas no curral. Estava explicado os passos que ouvimos.
No outro dia, tudo que se quebrou foi consertado. As exceções foram o vaso e o colchão, que realmente manchou. Bem. A história não terminou bem assim porque quando o resto do pessoal chegou no outro dia:
- Ué gente? Mas vocês não compraram bebida e comida para os dois dias?! Só sobrou essa meia garrafa de vodca???????
Pensei em correr, mas eu ia ficar por último mesmo....

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