segunda-feira, 28 de março de 2011
Serpentina, banho quente e mais um incêndio ou de como o fogão também toca fitas
Voltávamos a pé da cachoeira. Quando nos encontramos com o Aldair, que vinha voltando da casa, depois de mais uma conferida no feijão, que ele insistia em cozinhar em uma panela, o que a gente mais queria era descanso e se preparar para noite. Tínhamos andado demais aquele dia.
Quando chegamos a casa, o feijão do Aldair continuava lá, na panela. Depois de mais de quatro horas de cozimento ele começava a dar sinais que seria vencido pela persistência do Aldair, que virava e mexia, colocava mais água no feijão.
Tomamos café e ficamos ali na “boresca”. Como éramos muitos, começou a briga por quem tomaria banho primeiro. Na casa, havia apenas um chuveiro de serpentina e como a caixa era pequena se a água acabasse teríamos que ir ligar a bomba. Só o Dodete parecia não se importar com a fila do banho.
- Pode i tomá banho pimeiio. Eu vô po último – dizia ele na língua sem os erres.
De cara já achamos estranho. Aquilo dele deixar a gente tomar banho primeiro só podia ser golpe.
Fizemos a fila, marcamos com chinelos a posição de cada um e limitamos o tempo do banho. Não me lembro bem quem foi o primeiro. Lembro apenas do urro que ele deu dentro do banheiro. Explico: para quem não sabe como funciona um chuveiro a serpentina, eu desenho. O chuveiro a serpentina é o avó do aquecedor solar. A mecânica é a mesma, só que ao invés da água passar pelas placas aquecidas pelo sol, ela passa pelos canos instalados dentro do fogão de lenha. Ou seja, em alguns casos a água ferve mesmo. Para se temperar a água é preciso abrir uma torneira de água fria e assim tomar um banho morno. O primeiro a tomar banho naquela tarde não sabia disso e como o Aldair tinha mantido o fogo aceso o dia inteiro, para cozinhar o danado do feijão, a água estava até supitando.
Sei que depois do grito, a galera descobriu como não se queimar e um a um fomos tomando banho:
- Agoa eu vô fica debaixo do chuveiio até a água acabá, sou o último mesmo – disse rindo o Dodete.
Sabia que ele não teria ficado por último à toa. Lá se foi o Dodete para o banheiro. Na boca, um sorriso irônico.
Passados alguns minutos, chega o Dodete, enrolado na toalha.
- Que bosta sô. A água acabô. Vou te que i lá liga a bomba.
Caímos todos na gargalhada. O diabo planeja, Deus toma. Trem bão. Achou que ia se dar bem em cima de nós, se ferrou. Lá se foi aquele varapau, em meio ao mato, ligar a bomba. Enquanto a caixa enchia, a carne na churrasqueira chiava gostoso. A gente bebia alegremente.
A esta altura, o feijão do Aldair já estava quase cozido. Segundo ele, agora era só deixar as brasas manterem o calor que quando a gente fosse jantar estaria no ponto. Ele apagou o fogo e deixou só nas brasas.
Quase uma hora depois, a caixa começou a verter água pelo ladrão. Sinal de que já estava cheia. Lá se foi o Dodete desligar a bomba e finalmente tomar seu banho.
- Ô Zuninho. Como é que faz para toma banho quente? A água tá fiia.
- Ah Dodete. É porque o fogão está sem fogo. Bota lenha que vai esquentar.
Disse isso e voltei para a área de serviço. Já tinha anoitecido. A casa estava escura e só a lâmpada perto da churrasqueira ligada.
- Fogo. O Dodete botou fogo na cozinha. Minha tia, vai me matar – gritou o Tiago.
Incêndio de novo não. Lá fui eu em busca do balde com água. Quando cheguei na porta da cozinha, o Dodete vinha saindo do banheiro:
- Ô Zuninho, deu certo não. Coloquei fogo no fogão e água tá fiia.
Quando olhei para o fogão, o Dodete tinha mesmo colocado fogo lá. Só que ao invés dele colocar fogo dentro do fogão, ele tinha pegado madeira compensada e colocado em cima da trempe. O fogaréu estava indo no teto.
- Meu feijão. Dodete, você é louco, o fogo é dentro do fogão, agora meu feijão deve ter queimado - reclamou o Aldair.
Colocamos a madeira pegando fogo no lugar certo, o Dodete finalmente tomou o banho e decidimos jantar.
Até hoje guardo na memória a cara de satisfação do Aldair quando ele comeu a primeira colher de feijão. Ele olhou para a gente, sorriu com os dentes todos pretos:
- Gente. Isso ficou bom demais.
E tinha ficado mesmo. Também um feijão cozido em mais de 12 horas não tinha como ficar ruim.
Pouco tempo depois já estávamos mais para lá do que para cá. Não sei por que, mas sempre que a turma está reunida em um sítio, rola algumas conversas sinistras de assombração. Naquele último sítio, com um quarto apelidado de “Morte do Demônio”, não foi diferente. Sentamos e começamos a falar bobagens sobre espíritos, assombração etc.
Àquela altura da noite, a gente já estava para lá de Marrakesh. O assunto foi ficando pesado..foi ficando pesado.... Ai o Dodete levantou, deu uma passada perto do toca-fitas. Abaixou um pouco o volume, passou pelo fogão. Sentou e disse:
- Eu queiia fala não. Mas alguém pegou uma fita e zugou no fogo ali.
Naquela época, fita cassete era algo caro. De verdade. Não era como hoje. Não tínhamos internet, gravávamos músicas ou de discos dos amigos, ou das rádios. Era uma aventura
- Minha fita do Bon Jovi. Eu te mato Dodete – berrou o Cabrito que era fã do Bon Jovi. Inclusive tinha um pôster no quarto dele, que ele insistia que era do irmão. (Risos. Ele vai me matar quando ler isto aqui).
O episódio foi até bom, para descontrair os ânimos e quebrar o clima tenso. Mas assim que apartamos a briga o assunto dos espíritos voltou. O Bruno, que a essa altura já tinha virado monstro por causa do álcool, olhou fixamente para a janela e disse uma coisa que deixou todo mundo apavorado.....
Continua...
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