segunda-feira, 9 de maio de 2011

Coisas do Cotidiano, a gente só não sabe que coisas são essas




Toda semana é assim, não tenho a menor idéia do que vou escrever, mas confio em meus sapatos escritos.
As histórias vão surgindo por entre letras e caminhadas, mas exclusivamente esta semana eu ainda não sei o que escrever. Escrever é difícil para burro. Ainda mais quando temos a pressão de um monte de gente que vai ler, um gatekepper especial e um público em formação. Escrever
não é simplesmente cortar palavras, como diz Drummond.
Algumas palavras, assim como sentimentos, são tão fortes que nunca podem ser cortadas ou se tornarem invisíveis para sempre. Escrever de forma autoral é ainda mais complicado.
Tem dias que o texto flui, tem dias que ele emburra, tem dias que nem dias é, mas é preciso escrever. Acho que já deu para perceber que essa coluna não será como as
outras, não será recheada de humor ou de críticas sociais.
Esta será uma coluna de enrolação, onde vou levar o leitor por um caminho e no final ele vai dizer assim: “ô lixo, já acabou, texto doido?!”.
Mas escrever, assim como filosofar, é preciso e quem nunca escreveu nada deveria se aventurar. Hoje me sinto com vontade de estar em uma Kombi, pintada com formas psicodélicas, numa pracinha qualquer, de uma cidade qualquer, escutando a chuva batendo no teto e conversando bobagens para ver se a inspiração bate.
Mas os desejos não produzem textos e nem enchem sapatos, o máximo que eles produzem são fadas, que podem ser as menores do mundo ou as que só existem em nossa imaginação, como um dia pensou o inglês J.M. Barrie, autor de Peter Pan.
Textos também produzem sonhos e incógnitas na cabeça de muita gente que lê essa coluna e pensa que ele foi escrito para alguém ou com um porquê. Na verdade, este texto pode estar cheio de energias, que em camadas, como as de cebola do Shrek, podem levar a luz plena. Mas isso pode ser apenas um devaneio, como pensar que Dom Quixote pode estar na esquina em busca de doces de beijinho ou tabuleiros de xadrez, para jogar com Dulcinéia.
As palavras buscadas e rebuscadas, desenhadas e codesenhadas podem levar a personagens de quartetos fantásticos de alguém, que se sente carente, ou simplesmente desembocar em um beijo caloroso e dormir de conchinha embaixo de um edredom azul.
A coluna de hoje, para a maioria, não vai dizer nada com nada, mas para alguns ela vai ser traduzida em cotidiano. Escrever realmente é difícil para burro, mas para entender um texto completamente como esse tem que ser como elefante, que tem uma boa memória, mas é burro também. É conhecer os segredos da esfinge traduzidos em decifra-me ou te devoro.
Então?! Vocês podem me acusar de tudo, só não podem dizer que eu não avisei antes e que a condicionante era terminar o texto dizendo assim: “ô lixo, já acabou, texto doido?!”.

Exageros, amizade e cadeado

Há amigos que são para sempre. Não importa quanto tempo à gente esteja sem se ver, quando nos reencontramos é como se não tivéssemos nos separado nem por cinco minutos.
Os meus amigos são assim. Passamos muito tempo juntos, mas com as atribulações e as responsabilidades da vida adulta acabamos nos afastando um pouco.
Alguns desses amigos seguem esta coluna, outros não, mas eles sempre farão parte dela, pois as histórias dos meus sapatos escritos estão recheadas de amizade.
Quando éramos crianças/adolescentes sempre nos encontrávamos na pracinha da Igreja do bairro de Lourdes. Éramos um tormento e um hiato de alegria no lugar. A pracinha era sempre movimentada com a nossa presença e do futebol às brincadeiras de polícia e ladrão a gente sempre transformava os jardins suspensos em palcos de atividades físicas.
Exageros também eram por nossa conta e algumas beatas, que também exageravam na fé, não gostavam muito de nossa presença. Em outubro, a pracinha se enchia de fé e de gente, que invadia o nosso espaço para celebrar Nossa Senhora Aparecida. Em um desses anos, exageradamente arrumamos uma brincadeira um tanto estranha.
Um de nós tirou o cadeado e a corrente utilizada para prender nossas bicicletas voadoras e começamos a prender uns aos outros. O dono da chave é que decidia quando iria soltar o escolhido.
Fazíamos questão de prender nossas vítimas próximas à entrada da Igreja, só para constranger o preso.
Em uma dessas prisões, prendemos o Guilherme pelo pescoço, em um poste de iluminação do jardim. Eram por volta das 14 horas, fizemos o nosso presidiário e continuamos a brincar. Como a próxima missa seria às 15, deixamos o Guilherme preso e para constranger ainda mais erguemos um “altar” com oferendas, flores, cachaça, farofa bem longe do alcance dele. O pessoal ia chegando e não entendia nada. Todo este sincretismo religioso soava tão estranho, mas nós chorávamos de rir.
Nesse meio tempo, apareceu a namoradinha do Guilherme que, indignada, resolveu ajudar o amado.
Com uma faca de cortar pão ela tentava serrar os elos grossos da corrente. A cena dantesca para nós era digna de Molliére, rei da comédia teatral.
Depois que o pessoal entrou na Igreja e a missa começou, decidi ir embora para casa. Era sempre assim, eu descia para tomar café, banho e voltava à noite para as barraquinhas. Voltei por volta das 19h30, de banho tomado, renovado e com roupa de festa e enquanto descia a rua 10 notei que o Guilherme estava preso no mesmo lugar. Aí pensei: “prenderam o Guilherme de novo” e já comecei a rir.
Quando cheguei perto dele fui logo perguntando se ele tinha sido pego de novo. Com os olhos vermelhos e a voz embargada ele me respondeu: “Não. Eu estou preso desde aquela hora. Eles foram embora e me deixaram aqui. Estou morrendo de fome, de sede e ainda me segurando para não fazer xixi nas calças” e desatou a chorar.
Coube a mim ir atrás do carcereiro e aliviar o sofrimento do preso.
É! Exageros cometíamos, mas o maior deles era ser superlativos em amizade.